Eduardo Vela
Reflexões de Eduardo Vela sobre esporte, superação e transformação social
com a vivência de quem respira o esporte há mais de quatro décadas
O esporte é segurança pública. Mas os governos ainda não entenderam isso.
Cresci na zona norte de São Paulo. Um bairro simples, onde a rua era campo, a calçada era arquibancada e o futuro, pra muita gente, era uma incógnita.
Vi amigos se perderem no caminho — alguns, infelizmente, pela violência, outros pela falta de oportunidade.
Mas o esporte me impactou logo cedo.

Policiais durante operação no Jacarezinho em 2021 — Foto: Fabiano Rocha
Foi na escola pública, nos centros esportivos da ZN e nos clubes sociais — como o Clube Guapira — que eu fui crescendo. de viver o fim da geração que brincava nas ruas, empinava pipa, jogava rua rua, nas quadras das escolas…
Quando me mudei pra Guarulhos, esse laço só se fortaleceu. Aqui encontrei projetos, ligas, professores e espaços que me mostraram o poder real do esporte como política pública.
Essa vivência me fez escolher a Educação Física como profissão — e hoje vivo do esporte, tentando, de algum modo, devolver ao mundo o que o esporte me deu.
Mas o tempo e a experiência me ensinaram outra coisa: enquanto o esporte salva vidas, os governos o tratam como enfeite de plano de governo.
Fui dar uma revisada no plano de governo do prefeito de Guarulhos Lucas Sanches, Governador estado de São Paulo Tarcísio de Freitas e no presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva.
A distância entre o discurso e a prática
Em Guarulhos, o plano do prefeito Lucas Sanches fala em “prevenção social com esporte, lazer, cultura e ocupação de espaços públicos” como ferramenta de segurança pública — uma proposta importante, mas sem metas, prazos ou indicadores.
No Estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas cita o esporte em meio à ideia de “gestão orientada por dados e metas”, prometendo usar escolas e equipamentos públicos para lazer e inclusão. Boa intenção — mas até agora, poucos programas concretos de segurança preventiva via esporte saíram do papel.
No governo federal, o presidente Lula reforça em seu programa que a segurança deve ter caráter “preventivo, integrado a políticas sociais e de juventude”. E de fato, o país tem histórico de programas como o PELC (Esporte e Lazer da Cidade) e o Segundo Tempo, que ampliaram o acesso em comunidades vulneráveis.
Mas, novamente: faltam metas de impacto — quantas vidas o esporte salvou, quantos crimes evitou, quantas oportunidades nasceram dessas políticas?
Por outro lado. É mais fácil gritar por mais polícia, mais armas e mais “bandido bom é bandido morto”.
Difícil é sustentar política pública com avaliação, continuidade e resultado.
O esporte não é discurso; é método.
Pesquisas internacionais mostram que programas esportivos estruturados reduzem índices de criminalidade.
Nos Estados Unidos, o Midnight Basketball mostrou que abrir ginásios à noite reduziu delitos em bairros de risco.
No Rio e em Londres, o Fight for Peace combinou esporte, educação e empregabilidade — e reduziu drasticamente a reincidência criminal entre jovens atendidos.
Esses programas têm números, têm estudo, têm retorno social.
Aqui, preferimos o improviso. Chamamos de política o que, na verdade, são ações soltas, sem estrutura, sem continuidade.
É o “esporte-evento”, o “projeto-vitrine”, o “festival de fim de semana”.
Mas segurança pública se faz com rotina, vínculo e acompanhamento, não com fogos de artifício.
O que precisamos mudar
Na minha visão — e de quem vive isso há décadas —, o caminho é claro:
- Esporte como eixo de segurança pública: precisa sair do capítulo “lazer” e entrar no “prevenção social” com orçamento e metas.
- Indicadores reais: medir evasão escolar, reincidência, participação e ocupação de espaços públicos.
- Programas permanentes, não pontuais: continuidade importa mais que inauguração.
- Parceria entre Estado e sociedade civil: clubes, academias e centros comunitários podem executar políticas com muito mais eficiência do que a burocracia centralizada.
O esporte me ensinou — e eu vejo todos os dias o quanto ele continua dando oportunidade a muita gente. O que falta não é prova, é prioridade.
E enquanto os governos tratam o esporte como decoração de discurso, crianças seguem sem oportunidades, jovens sem futuro e adultos sem segurança.
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